terça-feira, 30 de julho de 2013

Sons de Guerra



            A vida nos campos de batalha, não é o desejo de ninguém que ingresse no serviço militar. Era muito menos, a desse homem. Um soldado cego, deitado na enfermaria de seu exército, apenas aguardando seu regresso ao lar, à sua família.
Entrou para as hordas do Imperador muito cedo, como era costume de sua cidade. Mandar os jovens para servir às forças e interesses de seu povo, em campos longínquos. Ele não concordava com isso, pois sentia que essas pessoas, as que eram “visitadas” pelo exército, estavam sendo saqueadas, estavam perdendo os diretos que tinham de suas terras, só por serem considerados menos aptas ou por não seguirem a religião predominante, a religião do Imperador.
Hoje, inválido, escorado em sua rede no interior do acampamento, ele reflete sobre seus anos inglórios, sobre o que às circunstancias o levaram a cometer. Ao longe, mas não o suficiente que possa deixá-lo despreocupado, ouve rugidos de metal e madeira, sendo batidos com muita força contra o chão.
A cegueira, sabia ele muito bem, havia feito com que seus outros sentidos aflorassem de forma, excepcional e nesse dia, ele percebeu ser sua maldição. Pois não podia ajudar seus companheiros no campo de batalha, mas tudo o que havia presenciado, visto e feito, eram agora, imagens que se repetiam em sua mente a cada som que reconhecia.
Primeiro foram os escudos, enormes placas de bronze e madeira, batidos contra o chão, anunciando as intenções do exército que chegava. Pouco depois, o silêncio. Um silêncio de tal intensidade, com um peso tamanho, que o fez pensar se não havia morrido e estava agora no Reino dos Mortos, aguardando a sentença de Radamanthys e certificação de Minos.
Logo em seguida, percebeu que seus companheiros começam a trabalhar para proteger o local e seus feridos. Vozes de comando e correria, percebia cintos sendo afivelados sobre malhas metálicas, carregando sobre si, pesadíssimas espadas, elmos sendo colocados a cabeça às pressas, e o mais importante, aquilo que ele não sabia se estava ouvindo de fato ou se era apenas o seu próprio, representando todos à sua volta, os corações. Corações de todos os seus companheiros, batendo a uma velocidade vertiginosa, em uníssono, temendo pelo inimigo que os cercava. Ele sabia que, independentemente de estar ouvindo de fato, à todos ou não, o seu representava o que estava acontecendo.
Após alguns instantes de correria dentro do acampamento, um som corta o ar. Um chiado longo e direcionado, centenas de chiados, cortando o ar em sua direção. Flechas longas com pontas de metal, perfurando desde o ar quente, à corações e mantas metálicas de seus companheiros e amigos. Corpos desabavam, sem ao menos soltar uma palavra de dor, tão rápido fora a ação da Morte. O grande Ceifeiro, estava ali presente, com seu grande Livros das Almas aberto, direcionando as flechas, espadas e machadinhas, para os destinatários corretos. E aquela lista, a que ele seguia naquele fim de tarde, era grande. Maior que seu próprio acampamento. Ali, ele já sabia o seu destino.
Centenas de pés vinham em sua direção, o ranger de aço sendo desembainhado, ele percebia, a primeira onda de ataque estava vindo, e quando encontrou-se com os seus, metal contra metal, foi ensurdecedor. Ele percebia, quase como que em si próprio, como se fosse em sua pele, percebia a lâmina correndo por gargantas e o sangue quente escorrendo pelo chão, irrigando aquele chão estéril. Imagens de seu passado apareciam diante de seus olhos opacos, trazendo-lhe lembranças do que ele mesmo já havia feito a outros, por vezes inocentes, em nome do Imperador. Essa era sua maldição e seu castigo, ouvir, perceber e reviver, cada mal já feito por ele, sem poder se proteger, na iminência de sua morte.
Algum tempo se passou e o barulho de ossos sendo rompidos por machados, cabeças separadas de seus corpos, gritos de dor interrompidos apenas por um segundo golpe de seu oponente, continuaram e ele ali, ouvindo tudo, reconhecendo tudo, sabendo por vezes, quem estava sendo livrado desse fardo da vida, sem poder fazer nada.
Sentiu então uma lâmina, já ensanguentada, tocar seu pescoço. Percebeu seu inimigo o encarando-o, analisando e decidindo se terminava ou não o que começara. Sabia ele, que a decisão já havia sido tomada e que seu carrasco, só estava fazendo isso, para enchê-lo de esperança. Numa língua que não reconheceu em palavras, seu próprio Ceifeiro proferiu, o que ele sabia que era o motivo de sua condenação.
- Você sabe bem, porque não está sendo poupado.
E tombou.

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