Nikolaiev
estava sentado na varanda de sua casa, fumando seu antigo cachimbo de marfim,
soltando alguns círculos de fumaça e lembrando-se de algo em seu passado. Era
vinte e três de Abril, de um país do novo mundo, longe de onde havia presenciado,
e cometido, os atos que o fariam nunca mais ter uma única noite de sono
tranquilo novamente.
Lembrava-se
do dia em que prestou seu ultimo serviço pela pátria que amava e que depois
passou a odiar com cada fibra do seu corpo.
Faltando
alguns dias para o encerramento de seus serviços, Dimitry Nikolaiev, capitão do
III Regimento de Infantaria do Exército Tcheco, recebeu ordens para atacar e
destruir um prédio na região norte da Bulgária, onde sabidamente a Inteligência
havia informado sobre atividades inimigas e que o prédio estava sendo usado
como QG das forças inimigas.
Havia
realizado durante toda sua carreira, centenas de missões como esta, e
certamente era o melhor homem para fazer isso de modo silencioso, eficaz e
rápido, tudo como um perfeito soldado faria. Eficiente e sem questionar nada.
Quando chegou
ao local, um vilarejo pobre e afastado das linhas de guerra e notou que
efetivamente havia uma grande movimentação de soldados inimigos pelo local e
imediatamente localizou o prédio que deveria atacar. Um prédio baixo, de no
máximo dois andares, com paredes grossas e janelas pequenas, um prédio perfeito
para servir de quartel general para as forças inimigas. Sua única dúvida era do
porque este QG ficava tão afastado e como as comunicações haviam sido
interrompidas não havia meios rápidos para transmitirem mensagens a partir
dali.
No entanto,
seu trabalho não era pensar, mas sim executar os planos para ele entregues.
Durante a
noite, havia apenas dois guardas na entrada do prédio que faziam rondas de
apenas um por vez a cada quarenta e cinco minutos. Era um tempo bom para
acessar as grades do porão, entrar, plantar os explosivos nas colunas de
sustentação e outras no teto do porão, que seria o piso do prédio, que fariam
com que boa parte voasse pelos ares.
Nas duas
ordens diziam que não importando a hora em que plantassem os explosivos eles
deveriam ser detonados por volta das onze da manhã ou cinco da tarde, horários
esses em que o prédio estava com a maior quantidade de soldados e provavelmente
os generais estariam também.
Faltando
apenas quinze minutos para as onze da manhã, Nikolaiev e seus homens estavam
apostos aguardando a movimentação aumentar para que pudesse cumprir suas ordens
com rapidez e assim poder desfrutar de uma vida de sossego e descanso.
Faltavam três
minutos e viu que a movimentação de soldados, fardados ou não e mulheres que
provavelmente seriam soldados também, começaram a entrar. Quando deu exatamente
onze horas, o sino da igreja local tocou e com um espelho ele enviou o sinal para
o homem que iria detonar os explosivos, acendendo o pavio.
Assim que
enviou o sinal e o pavio foi aceso, a porta se abriu e saiu um soldado
segurando uma criança no colo e uma mochila infantil em suas costas.
A cena passou
em seus olhos como se cada segundo fossem anos e então ele percebeu o que era
aquele local e porque fora construído daquela maneira. Mas não havia tempo para
recuar o ataque. O pavio já adentrava o subsolo da construção e então
aconteceu.
A explosão
foi tão violenta que arrancou árvores pequenas que cercavam o prédio a uns dez
metros de suas paredes. Com lágrimas nos olhos ele percebeu corpos sendo
arremessados pelo ar e uma boa parte do prédio soterrando uma enorme quantidade
de crianças e seus pais que haviam ido buscá-las na escola.
O homem que
havia saído primeiro e estava um pouco afastado quando o ato terrorista
aconteceu, fora arremessado a muitos metros de distancia e jazia no chão, todo
ensanguentado segurando o corpo de seu filho sem vida nos braços. Dimitry
aproximou-se do homem, com seus olhos inundados de água e soluçando muito, já
havia arrancado suas insígnias de capitão e de seu país do peito, envergonhado
pelo que havia feito, mas sabendo que vergonha nenhuma no mundo apagaria o que
acabara de fazer.
Segurando sua
pistola, aproximou-se do homem que estava ajoelhado segurando seu filho no
colo, que o olhou horrorizado e virou de costas, mas não saiu do lugar, apenas
protegendo o corpo falecido de seu filho. Com sua mão esquerda pegou a pistola
pelo cano e virou o cabo na direção do homem que estava no chão, chorando,
abriu a camisa e disse:
- Nada pode
reparar meu erro, eu estava apenas cumprindo ordens de homens incapazes que
estão no poder e mesmo assim, são os verdadeiros responsáveis pelo que
aconteceu aqui. Mate-me, não posso suportar viver com o que fiz!
O homem,
chocado com o que acabara de presenciar e com as atitudes do capitão, pegou a
arma da mão de Dimitry e durante alguns segundos, que para Nikolaev pareceu uma
vida toda, segurou a arma apontada para ele. Dimitry fechou os olhos e aguardou
o tiro que tiraria aquela dor do seu ser. E o tiro veio.
Ainda de
olhos fechados pensou:
- Nossa! Não
dói morrer, mas porque ainda continuo sentindo essa dor em minha alma?
Aos poucos,
sua percepção foi retornando e ele experimentou abrir os olhos lentamente, com
medo do que veria do outro lado. Se as pessoas que matou durante a guerra os
estariam esperando para julgá-lo, acusá-lo ou perdoá-lo, sabendo que ele
somente cumpriu ordens.
No entanto,
seu choque foi tão ou mais assustador quanto o inicial, pois o soldado com a
arma havia tirado a própria vida com um tiro abaixo do queixo, punindo-o assim
da forma mais violenta possível. Ter de conviver com a dor dos seus atos.